sexta-feira, 17 de março de 2017

O FARMACÊUTICO COMO PERSONAGEM DA LITERATURA

O surgimento da profissão Farmacêutica ocorreu em conjunto com o surgimento da profissão Médica, visto que por muito tempo a pessoa que avaliava a condição física de um indivíduo doente era a mesma pessoa que fabricava seu “remédio”.

Deixando os fatos históricos um pouco de lado, resolvi escrever o texto sobre farmacêuticos nos textos literários, pois me deparei com esses personagens enquanto lia esses livros e refleti sobre o quão interessante seria fazer uma comparação de como era a atuação de profissionais de um outro tempo com os profissionais de hoje, sob o ponto de vista de pessoas que não são da área, como os autores a seguir.


Jane Austen
Jane Austen (1775-1817)

Jane Austen, foi uma escritora inglesa. Conhecida por seus clássicos romances cobertos de ironia, suas obras são objeto de estudo no meio acadêmico até os dias atuais.
Em seus livros: Razão e Sensibilidade (Sense and Sensibility, 1811) e Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 1813) há farmacêuticos entre seus personagens, ainda que presentes de forma discreta.

No primeiro romance publicado de Jane Austen, Razão e Sensibilidade, a personagem Marianne Dashwood adoece devido a uma desilusão amorosa. O farmacêutico Sr. Harris é chamado para cuidar da jovem.

“Uma noite muito agitada e febril, não obstante, decepcionou a expectativa de ambas, e quando Marianne, depois de insistir em se levantar, se confessou incapaz de ficar de pé e voltou voluntariamente para a cama, Elinor ficou muito disposta a seguir o conselho da sra. Jennings de mandar chamar o farmacêutico dos Palmer.
Ele veio, examinou a paciente, e se bem que animasse a srta. Dashwood a esperar que em pouquíssimos dias sua irmã recuperasse a saúde, ao afirmar que a doença tinha uma tendência pútrida, e ao permitir que a palavra ‘infecção’ passasse por seus lábios, logo alarmou a sra. Palmer, por causa do bebê. A sra. Jennings, que desde o começo estava propensa a considerar a enfermidade de Marianne mais séria do que Elinor, ouviu muito séria o relatório do sr. Harris e confirmando os temores e a cautela de Charlotte, defendeu enfaticamente a necessidade de afastá-la sem mais demora, levando consigo a criança.”

Ainda atualmente, as pessoas recorrem primeiramente ao farmacêutico, porém nas farmácias e drogarias. Pelo trecho transcrito acima, era muito natural na época o farmacêutico ir à casa do doente, o que não é mais observado hoje em dia devido à burocraria em que se encontra a profissão.
A passagem acima, embora sem a fala do personagem Sr. Harris, mostra que a comunicação foi realizada de forma a alertar sobre a possibilidade de uma doença contagiosa, fazendo com que um bebê fosse afastado do convívio com a jovem doente. No trecho a seguir vemos mais um pouco da postura do farmacêutico:

“Marianne estava muito melhor sob todos os aspectos, e ele a declarou inteiramente fora de perigo. A sra. Jennings, satisfeita talvez com a justificação parcial de seus prognósticos dada pelo último alarme, permitiu-se confiar no julgamento do farmacêutico e admitiu, com autêntico prazer e, logo em seguida, com inequívoca alegria, a probabilidade de uma recuperação completa.”

Na passagem acima é possível observar a importância da comunicação entre o farmacêutico, o doente e seus familiares.

Já em Orgulho e Preconceito a personagem Jane Bennet adquire um resfriado e o farmacêutico é chamado para ajudar na recuperação da moça:

Terminado o desjejum, as irmãs juntaram-se a elas; e Elizabeth começou a gostar delas, quando viu quanto afeto e solicitude demonstraram por Jane. O farmacêutico chegou e, tendo examinado a paciente, disse, como era de se esperar, que ela havia pegado um violento resfriado, e que deveriam fazer de tudo para curá-la; aconselhou-a a voltar para a cama e lhe receitou alguns remédios. O conselho foi obedecido à risca, pois os sintomas se agravaram e a cabeça passou a doer muito.”

Além da visita à casa da doente, temos também outra diferença para os dias atuais, que é a livre prescrição. Mostrando a diferença entre a profissão farmacêutica da época e a profissão regulamentada que praticamos atualmente.


Gustave Flaubert

Gustave Flaubert (1821-1880)
Em 1857, um romance escrito pelo francês Gustave Flaubert causou um escândalo em Paris. Com a publicação de Madame Bovary, o autor foi levado aos tribunais por sua obra ser considerada uma ofensa à moral e à religião.

Gustave Flaubert é conhecido pela capacidade que possuía de dar realidade a suas obras através de personagens bem desenvolvidos psicologicamente, o que quase lhe custou a liberdade. Um dos personagens do romance Madame Bovary é o farmacêutico Homais, um modelo de como um farmacêutico não deve ser.


Homais é um dono de uma Botica, mas gosta de ser chamado de farmacêutico, um termo mais moderno na época. Homais possui um laboratório onde faz seus experimentos de química. Ele desempenha um papel negativo no romance devido a sua grande ambição e vaidade extrema.

“...Uma ambição surda o minava. Homais desejava ter uma condecoração. Títulos com que obtê-la não lhe faltavam...”

“Homais inclinou-se então para o poder. Prestou secretamente ao prefeito valiosos serviços durante as eleições. Vendeu-se enfim, prostituiu-se.”

O farmacêutico de Flaubert é uma prova de que a corrupção não é exclusividade dos tempos atuais e que a busca por reconhecimento não deve ultrapassar a ética profissional. Homais é um péssimo exemplo tanto para sua época quanto para a nossa.   


John Fowles

John Fowles (1926-2005)

Em 1963, o autor inglês John Fowles publicou o romance O Colecionador, um livro perturbador devido ao tema abordado. O personagem farmacêutico surge no desfecho do livro quando a personagem enclausurada adoece gravemente e necessita de cuidados médicos. Na tentativa de levar Miranda ao médico, Frederick procura por ajuda em farmácias:

“Resolvi então ir a uma farmácia e dizer que queria um remédio para resfriado muito forte. Tratava-se de uma farmácia onde eu ainda nunca fora e, portanto, foi-me possível inventar uma grande história. Disse ao farmacêutico que tinha um amigo que era uma pessoa muito estranha, que não acreditava em médicos, e que estava muito doente com uma gripe, talvez até pneumonia, e que era necessário dar-lhe um remédio mais forte, mas secretamente. Bem, o farmacêutico deu-me o mesmo medicamento que eu já comprara para mim, e eu disse-lhe que queria penicilina ou qualquer coisa parecida, mas ele advertiu-me de que isso só seria possível com receita médica. Disse-me que eu devia chamar imediatamente um médico e explicar-lhe o caso. Eu retorqui que pagaria o que quer que fosse, entretanto ele sacudiu a cabeça e ponderou que isso era ilegal. Quis saber se meu amigo vivia na cidade, e tive de sair antes de que me fizesse mais perguntas. Tentei duas outras farmácias, mas recebi as mesmas respostas e, com medo de que me interrogassem de novo, aceitei o medicamento que me deram, uma droga diferente da primeira.”

Esse personagem farmacêutico representa o perfil necessário para atuar no ambiente de trabalho recente: a dispensação de antibióticos somente com receita médica e a orientação de que o doente deveria ir a uma consulta médica.

A literatura é um meio pelo qual podemos conhecer os costumes de uma época em que não pertencemos e assim comparar com a que vivemos.

Existe um texto muito bacana sobre leitura escrito por Guiomar de Grammon. Você pode lê-lo aqui: Ler devia ser proibido

Se você se interessou por algum desses livros e gostaria de saber mais a respeito, você pode assistir às resenhas logo abaixo:

-Razão e Sensibilidade-


-Orgulho e Preconceito-


-Madame Bovary-


-O Colecionador-



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